As novas personalidades advindas do digital
“O digital trouxe ganhos muito intensos e profundos que não mudam mais. É daqui para frente. A gente não tem como fazer retrocesso.”
Elane Gomes
A revolução de quem produz
A produção do jornalismo atual é marcada pela fragmentação da produção de conteúdo. A informação, antes monopolizada pelos grandes veículos de comunicação, já não pertence apenas a essas empresas. Os veículos ainda possuem um papel importante na repercussão e divulgação da pauta; mas, com a plataformização da comunicação, qualquer pessoa com acesso a essas ferramentas pode criar e participar do conteúdo noticioso.
Segundo, Helmond (2015), plataformização consiste na “penetração de extensões das plataformas na Web e o processo no qual terceiros preparam seus dados para as plataformas, onde “fornecem uma estrutura tecnológica para que outros possam construir”.
“Quando a gente fala sobre por que apareceram esses criadores de conteúdo, independentes, acho que é porque o mercado de comunicação se transformou tanto com a força da internet que as redações mudaram de tamanho e lacunas nesse universo foram aparecendo. Eu acho que é aí que entraram pessoas como eu que têm esse trabalho mais independente, esse trabalho misto entre repórter, criador de conteúdo, influenciador, apresentador”, completa Valentina.
Aquela velha comunicação, chamada de ‘comunicação de massa’, onde os veículos tinham uma relação unilateral com o público, precisou se transformar com o advento do digital. Agora, o público recebe e participa ativamente na produção e distribuição da informação, alterando essa relação para uma ligação horizontal.
Elane explica essa mudança. “A gente teve uma revolução nesse modelo de comunicação, em que todas as pessoas se tornaram aptas a produzir conhecimento sobre algo. Quando acontece essa mudança de perfil, a gente tem uma mudança também no modelo de consumo, na forma de fazer pesquisa, procurar conteúdo. Tudo isso acaba impulsionando uma revolução”.
O novo perfil do jornalista
Desde 2009, o diploma de jornalismo não é mais obrigatório para exercer a profissão. O Decreto-Lei nº 972, publicado em 1969, foi derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), justificando que o decreto dificultava o direito à liberdade de expressão.
Diante dessa revolução do cenário da profissão, os jornalistas têm procurado encontrar formas de se comunicar com esses novos públicos, em diferentes plataformas, estudando novas linguagens, formatos e ferramentas que o meio digital oferece.
“A gente pensou: ‘esse material funciona com certeza para o nosso site, mas no Instagram, isso não vai bem’. É um pouco desse pensamento, de você conhecer o público. E a própria plataforma estimula isso”, comentou Mariana.
Há também aqueles que viram na prática do jornalismo digital uma oportunidade para falar sobre o que gosta: resenha, curiosidades, bastidores, entre tantas outras informações. É nesse sentido que os criadores de conteúdo são inseridos. “Existe toda a ética do jornalismo, existe o seu trabalho muito forte como jornalista de não ser parcial quando você escreve alguma matéria. Eu acho que é aí onde os criadores de conteúdo têm mais espaço, de serem mais opinativos “, explica Valentina.
Valentina Pulgarín estudando o roteiro de programa de TV - Foto: Arquivo Pessoal
Elane explica a fronteira entre jornalista e influenciador. “Então, a parte ética e credibilidade são dois pontos muito sensíveis para você atuar enquanto jornalista e enquanto influenciador”
Segundo o Censo de Criadores de Conteúdo do Brasil 2025, desenvolvido pela Wake Creators, existem 14 milhões de influenciadores no Brasil atualmente. Mesmo a maioria não tendo os métodos e conhecimentos específicos ligados à área do jornalismo, essas novas personalidades criam conteúdos que transmitem informação e credibilidade, pilares da profissão.
Os influenciadores/criadores de conteúdo acabam criando seu próprio espaço na internet. Eles conhecem os atalhos da plataforma e conseguem transmitir a mensagem de uma maneira autêntica e acessível, sendo livres para poderem produzir e se comunicar com seu público, à sua maneira. “Então, acaba que eu estou sempre muito inserida numa linguagem que eu sei que funciona. É natural pra mim. Como eu não sou formada em jornalismo oficialmente, eu acho que a minha forma de buscar assuntos e diálogos, e a própria linguagem é menos engessada, porque eu não tenho essa formalidade toda. E eu acho que tenho um pouco mais de esperteza das redes sociais, o que me ajuda muito, inclusive, no jornalismo”, disse Dora.
Rodapé entrevista Dora Guerra nos estúdios da Anhembi Morumbi - Foto: Rodapé
Jornalista vs criador de conteúdo: o embate da nova era
Por conta das condições atuais do mercado de jornalismo, os profissionais da área também têm enxergado essa plataformização do conteúdo como uma oportunidade de negócio, mesmo que para alguns seja difícil renunciar o título de jornalista.
Pesquisa da UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), realizada em 2024, por Victoria Silvia de Freitas, ouviu três jornalistas da Paraíba que migraram da TV para as redes sociais, destacou que os profissionais que fazem ou fizeram esse tipo movimento na carreira não se sentem confortáveis com o termo influenciador, pois, segundo eles, traz descrédito à profissão. Ainda sobre a nomenclatura, viram como grande desafio às críticas por colegas de veículos tradicionais, que desmerecem o trabalho produzido por eles nas redes sociais.
“Os riscos de muita gente que não tem formação falando é que talvez elas não tenham aprendido as práticas jornalísticas. A gente pode ter bons criadores de conteúdo que não são jornalistas e pode ter jornalistas que não são bons criadores de conteúdo. Não é porque você fez jornalismo que vai sair fazendo um bom vídeo. Eu acho que o risco é a desinformação”, explica Pietro, jornalista e criador de conteúdo.
Recentemente, Pietro publicou um vídeo em seu Instagram sobre a crise no jornalismo em detrimento à ascensão do mercado de influência. Utilizando como base o texto “Os influenciadores vão mudar o jornalismo ou o jornalismo vai incorporar a influência digital”, da professora Elane, o jornalista faz uma crítica a forma de produção de conteúdo atual, que prioriza métricas e performance em relação à informação.
“É necessário pensar no trabalho jornalístico como um trabalho de interesse público e, ao mesmo tempo, não se pode ser ingênuo de pensar que esse interesse público existe fora de condições específicas de produção do jornalismo”, explica Luís Mauro.
Sobre a complexidade na criação de conteúdo, Mariana também ressalta a dificuldade que é adaptar um conteúdo para internet. “Aí a gente tem que se adaptar para entregar aquilo em um minuto e meio, no máximo, fazendo com que aquilo ainda seja interessante. Criando todo o formato que hoje é o formato que funciona para as redes, né? Que ali, nos primeiros três segundos, tem que engajar, tem que fisgar a pessoa para ela querer continuar”.
Mas nem todas as pessoas conseguiram migrar totalmente para o meio digital. A forma de produzir jornalismo mudou. Antes, voltado para textos densos e reportagens longas, a prática precisou se adaptar para um formato mais dinâmico, com conteúdos curtos e rápido entendimento. “Nosso trabalho era escrever, era reportar. E hoje a gente virou um monte de influenciador que precisa saber falar com a câmera e ‘vender o seu próprio peixe’ o tempo todo. Isso é muito, muito intenso para as pessoas que não nasceram com essa qualidade”, diz Pablo.
De acordo com Pablo, o jornalista precisa ser muito mais do que um criador de conteúdo. “Equiparar o jornalismo a qualquer tipo de conteúdo é o grande problema que a gente tem, que ninguém comenta. Mas a partir do momento que a gente fala que um jornalista produz conteúdo, você está se colocando no mesmo lugar da pessoa que faz um conteúdo qualquer”.
Rodapé entrevista Daniela Swidrak: um bate papo com uma Rolling Stone
E o cenário é animador?
Com a multiplicidade de conteúdos, plataformas, criadores de conteúdo e formas de monetização, os jornalistas ainda estão aprendendo o novo cenário e em como se manter sem abrir mão de suas características. Nesse ambiente, marcado pelo excesso de informações disponíveis, o desafio é manter um ambiente ético, informativo e dinâmico para a transmissão do conteúdo.
Contudo, o jornalismo é muito versátil. Mesmo com todas as readaptações para esses novos espaços, a prática jornalística mantém-se flexível e em mutação constante. “O jornalismo é muito versátil. Dá para fazer bom jornalismo em rigorosamente qualquer ambiente. Dá para fazer jornalismo utilizando qualquer recurso”, ressalta Luís Mauro.