As novas formas de produzir jornalismo cultural

Redes Sociais: problema ou solução?

 Já parou para pensar em como as pessoas consumiam cultura antes da internet no Brasil? Até o final dos anos 1980, elas acompanhavam o segmento através de revistas, jornais impressos, rádio (AM e FM) e TV (sinal aberto), onde o tema tinha seu espaço delimitado regularmente em seções ou espaços culturais. Com a difusão da Rede Mundial de Computadores (World Web Wide ou www), acentuada a partir de meados dos anos 2000, surgiram novas plataformas que mudaram totalmente a forma de produzir e consumir cultura.

Em 2004, Orkut e Facebook nasceram, seguidas por outras grandes, como o Twitter (2006), Tumblr (2007) e Telegram (2013). Uma análise realizada por Simon Kemp, analista-chefe da DataReportal e CEO da Kepios, divulgada no relatório Digital 2024 Global Overview Report, mostrou que existiam mais de 5 bilhões de usuários nas redes sociais até 2024 ao redor do mundo. Para se ter uma ideia, no Brasil, a população estimada é de 213,4 milhões de habitantes em 2025, segundo o IBGE.

Essas plataformas, cada uma com sua caraterística, possuem um objetivo em comum: criar conexões, seja através de conversas privadas ou discussões em comunidades.

Há também as plataformas especializadas em vídeo, como o Youtube, TikTok, Kwai e Twich, que focam na aproximação com o internauta através da interação visual.

E um certo tipo de rede social tem chamado atenção nas últimas décadas: as que são exploradas amplamente pelo segmento cultural, na divulgação de músicas independentes (SoundCloud), opinião e avaliação de filmes, séries e músicas (Letterboxd, TV Time e Musicboard) e criação de newsletter e divulgação de textos científicos (Substack).

Com tantas opções para consumir e produzir conteúdo cultural nos dias atuais, um dos desafios para o jornalista – que hoje não necessariamente atua em um veículo de comunicação – é saber escolher (ou pegar carona) com o formato, a plataforma para a produção de reportagens, entrevistas, resenhas, guia cultural, normalmente comuns na cobertura cultural.

E agora, como ficam as redações?

A partir da evolução e solidificação das redes sociais e, consequentemente, a migração da publicidade, umas das fontes essenciais para a viabilidade de um projeto jornalístico, veículos tradicionais, como jornais, revistas e TV, foram perdendo fôlego; e o público, ficando cada vez mais imerso nessa nova realidade digital. 

Rafael Alcadipani, pesquisador, doutor e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em O declínio dos jornais, comenta justamente sobre essa transformação advinda do digital: “Por longo tempo, eles [os jornais] foram o meio privilegiado pelo qual as pessoas tinham acesso às informações. Agora, com a concorrência de novas mídias, principalmente a internet, estão sendo obrigados a se reinventar para sobreviver”.

Como Roberto Sadovski, colunista do UOL e ex-editor-chefe da Set Magazine, jornalistas de gerações anteriores tiveram que se adaptar para conseguir se comunicar novamente com o seu público. “Muitos jornalistas que faziam revista demoraram para fazer a migração para o digital. A Editora Abril, por exemplo, demorou pelo menos dez anos. Acho que ninguém esperava que o modo de você acompanhar as notícias fosse tão portátil com o tempo”.

Roberto Sadovski nos estúdios da Anhembi Morumbi - Foto: Rodapé

Roberto Sadovski nos estúdios da Anhembi Morumbi - Foto: Rodapé

Diante das mudanças tecnológicas, sociais e das novas dinâmicas para a circulação dos conteúdos, compreender o que define o jornalismo cultural é importante para produzir produtos objetivos e eficientes.

Para os doutores Denise Siqueira e Euler David Siqueira, no artigo “A cultura no jornalismo cultural*, o campo do jornalismo cultural se apresenta como “uma vertente do jornalismo que é responsável por cobrir, analisar e interpretar manifestações culturais como artes visuais, artes cênicas (dança e teatro), cinema, música, entre outras”.

Laís Franklin, editora-chefe da Revista Bravo (criada em 1997 pela editora Editora D’Ávila, ficou em circulação até 2013, onde teve seu projeto interrompido. Em 2016, foi relançada na versão digital), enfatiza os principais tópicos que um bom jornalista cultural deve ter para transmitir seu conteúdo de forma objetiva e eficiente. “Um jornalista cultural precisa ter escuta, empatia, troca e curadoria. Porque, no mundo, está cheio de gente falando o tempo todo”.

Nesse novo cenário, o profissional deixa de atuar apenas como um transmissor de informações e passa a exercer um papel de curador. De acordo com as professoras Elizabeth Saad Corrêa e Daniela Bertocchi, no e-book [curadoria digital] e o campo da comunicação, o termo curadoria se refere “às atividades de seleção, organização e apresentação de algo a partir de algum critério inerente ao curador”.

Dentro deste contexto, é fundamental que o jornalista cultural compreenda e interprete os contextos, apresentando um olhar crítico e sensível diante das transformações sociais que ocorrem. Para Laís, essas competências são fundamentais para compreender o que é relevante para diferentes públicos e estabelecer conexões entre a cultura e a sociedade.

Com as diversas transformações do ambiente digital, os modos mais tradicionais de produzir jornalismo cultural foram perdendo espaço. Revistas impressas, por exemplo, sofreram bastante com essas mudanças: redações foram reduzidas e algumas acabaram encerrando suas atividades por não conseguirem se adaptar a essa nova dinâmica. “As redações de publicações que não eram tão grandes e que não conseguiram sobreviver nessa transição do papel para o digital acabaram diminuindo, encolhendo e até morrendo”, explica Sadovski.

O maior desafio das revistas que ainda sobrevivem é manter o público interessado no seu conteúdo e trazê-lo para essa nova dinâmica de produção. Quem consome a revista continua ali e também se renova, mas a sua forma de consumir muda constantemente.

Laís explica que seu principal desafio é manter a conexão com o leitor. “Eu acho que o público sempre está aí, ele só vai se alterando. A gente tem, inclusive, a chance de achar mais pessoas. Eu falo pela Bravo, que tem um público muito cativo, que se renova o tempo inteiro. A minha maior dificuldade e desafio é trazer a Bravo para o presente, é colocar todas essas pessoas, nichos e gerações na mesma página”, enfatiza Franklin.

Rodapé entrevista Roberto Sadovski: a forma de produzir jornalismo cultural ainda é a mesma?

Para onde foi o público?

Em pesquisa realizada pelo site Rodapé para esta reportagem, mais de 70% – das 205 pessoas entrevistadas, de 16 a 55 anos, das cinco regiões do Brasil,- dizem consumir jornalismo cultural através das redes sociais. O levantamento foi feito entre 25 de setembro e 26 de outubro de 2025 através de formulário digital.

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Fonte: Pesquisa acadêmica: Jornalismo Cultural e as mudanças de sua produção - Realizada entre os dias 25 de setembro e 26 de outubro de 2025

Embora a grande maioria consuma informações pelas redes, na pesquisa do Rodapé, o público ainda confia mais em veículos jornalísticos: 45,4%; apesar da constante evolução digital, dizem que os veículos tradicionais ainda têm um grande espaço e influência quando o assunto é cultura.

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Fonte : Pesquisa acadêmica: Jornalismo Cultural e as mudanças de sua produção - Realizada entre os dias 25 de setembro e 26 de outubro de 2025

Para Daniela Swidrak, redatora da revista Rolling Stone Brasil, o meio digital demanda uma frequência maior e um tempo menor na produção de uma notícia, o que muitas vezes torna o conteúdo automático devido à urgência exigida. “Às vezes, você acaba ficando refém de um sistema, onde precisa fazer inúmeras postagens para conseguir atingir uma audiência. Você precisa estar constantemente nessa rede”.

Ainda de acordo com a pesquisa do Rodapé, 46,8% apontam que o digital democratizou o acesso à informação. Mais do que isso: encurtou a distância entre o criador e o público. “Eu acho que isso diz muito sobre a nossa relação, a gente está o tempo inteiro sendo bombardeado de conteúdo, manchete. Porque as redes sociais elas democratizaram o acesso, e essa é parte mais legal, que hoje os estudantes não precisam trabalhar num jornal, numa revista para terem o acesso direto ao público cativo que gostariam de conversar, escrever, falar e dialogar”, elucida Franklin.

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Fonte : Pesquisa acadêmica: Jornalismo Cultural e as mudanças de sua produção - Realizada entre os dias 25 de setembro e 26 de outubro de 2025

Rodapé entrevista Dora Guerra: quais são os desafios em criar conteúdo para internet?

Os desafios entre velocidade e apuração

Pablo Miyazawa, ex-editor chefe do IGN Brasil e sócio-fundador do The Gaming Era, conta que seu primeiro ano à frente da redação do IGN, em 2015, foi marcado por uma liberdade editorial. “Eu tentei trazer as minhas experiências anteriores com revista. Fazer uma coisa mais calma, mais profunda, textos maiores, bem apurados. Reportagens mesmo. E isso hoje não existe mais. Em sua maioria, os jornalistas são estimulados a fazer mais rápido e produzir mais”, reflete.

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Pablo em entrevista com Alexey Pajitnov, criador do Tetris - Foto: Arquivo pessoal

Atualmente, no portal IGN Brasil, ainda há resquícios de textos mais elaborados, como por exemplo, as resenhas. Mas, como na maioria dos veículos do segmento, o que realmente prevalece são os textos curtos, encabeçados por matérias e notas sobre lançamentos do mercado.

Apesar de uma das principais funções do digital ser a acessibilidade, a fragilidade desse novo formato é a exigência do público, que necessita de múltiplos conteúdos a qualquer hora. Essa exigência em estar informado a todo momento faz com que a produção seja mais rápida e, em algumas situações, a apuração seja deixada em segundo plano.

Luís Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e professor nos cursos de Comunicação há mais de 25 anos, alerta para o tema: “Se o jornalismo perde algumas características, deixa de ser jornalismo. Eu não entendo que exista, por exemplo, jornalismo sem apuração. Não tem apuração, não é jornalismo”.

Com toda a pressão das novas plataformas para produzir conteúdos cada vez mais rápidos, comprovado pelo relatório Global de Estatísticas Digitais (Julho de 2025), mostra que o tempo de tela em aplicativos como o TikTok ou o Reels, do Instagram, supera os formatos longos, com 6h42 contra 4h57. O desafio do jornalismo de apurar e informar, mantendo ética, senso crítico e compromisso com a veracidade da informação acaba sendo ainda maior nesse cenário.

Se as plataformas exigem uma velocidade maior na produção de conteúdos, os jornalistas, então, são ressarcidos por esse produto de forma justa? E como a produção aumentou, seus ganhos seguiram essa mesma proporção?